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31 de agosto de 2010

Afinidade.......


A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos. 
O mais independente. 

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida. 

É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro. 

Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois 
que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples 
e claro diante de alguém com quem você tem afinidade. 

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos
fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento. 

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios. 

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar. 

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar. 

Só entra em relação rica e saudável com o outro, 
quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar, 
não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.
Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita 
o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra. 

A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.
Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,
por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,  
veremos ou falaremos. 

Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem 
para buscar sintomas com pessoas distantes, 
com amigos a quem não vemos, com amores latentes,
com irmãos do não vivido? 

A afinidade é singular, discreta e independente, 
porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu 
o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação 
exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas 
nem pelas pessoas que as tem. 

Por prescindir do tempo e ser a ele superior, 
a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades 
ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós, 
para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes. 
Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau, 
porque o que define a afinidade é a sua existência também depois. 

Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois 
encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir 
restituir o clima afetivo de antes,
é alguém com quem a afinidade foi temporária.
E afinidade real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta, 
ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.
A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas, 
plantios de resultado diverso. 

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças, 
é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quantos das impossibilidades vividas. 

Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou, 
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,
a expressão do outro sob a forma ampliada e 
refletida do eu individual aprimorado.

Artur da Távola

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